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Ao longo de três décadas de
trabalho com desenvolvimento humano, tanto na área da psicologia, quanto na
pedagogia uma questão sempre foi muito presente tanto no consultório clínico
quanto no espaço escolar: a falta de atenção. Os problemas de desatenção desviam
o foco, reduzindo a capacidade de aprender e de estar no agora.
A desatenção pode ser
observada num grau menor, como uma mera distração, mas pode chegar a um quadro
de maiores consequências, como um distúrbio que interfere na qualidade de vida.
Diante disso, pergunto: para onde olha a desatenção? Pois, se o foco não está
naquilo que devemos nos concentrar, há algo que está consumindo a capacidade
atentiva das crianças.
Nas escolas, são frequentes
os relatos dos professores sobre os olhares dos estudantes que, por vezes, “se
perdem”, diante das explicações. Os olhares que parecem “atravessar” o
professor, direcionados para algo que não está ali em evidência, intriga
educadores atuando em variados níveis de ensino.
Sem entrar no mérito da
motivação do estudante ou do aspecto didático de quem ensina, apresento uma
reflexão sobre o aspecto relacional sistêmico desta criança. Inconscientemente,
ela talvez esteja olhando para questões pendentes do seu “eu interior”. Com
isso, não há problema de desatenção, mas sim uma mudança de foco para onde a
atenção dela olha.
Parafraseando Alicia
Fernadez, o ato de aprender exige uma abertura para novas ideias. Entendo que
isso revela a necessidade de disponibilidade interna para estar atento para o
novo que vem. Quando o aluno não está disponível para o novo, isso significa
que ele ainda está olhando para algo do velho que ainda não foi entendido e
esta pendência precisa de resolução.
Existem certos movimentos
que acontecem na dinâmica familiar regidos por ordens que precisam ser
respeitadas para o bom funcionamento do todo. Se alguma “peça” falta ou está
fora de lugar, o sistema em desajuste, busca a volta ao equilíbrio. Do ponto de
vista das relações sistêmicas, que as constelações familiares trazem no seu
escopo filosófico, a desatenção revela algo que está no nível não consciente e
precisa ser visto e incluído.
Para explicar melhor essa
situação, ilustro com um exemplo que aconteceu com minha família e virou o tema
do meu livro “Tenho Um Lugar Para Você”. Ainda como aluna do curso em
constelação familiar, levei o tema da desatenção vivida por meu filho na
escola. O campo da constelação mostrou o movimento inconsciente dele de olhar
para o irmão que morreu cedo.
Desde a revelação da
história, já que ele não sabia da existência desse irmão, houve uma mudança
completa de comportamento. Ele ficou mais falante, atento e alegre. Uma
situação inesperada e inusitada para meu filho que nasceu muitos anos depois da
morte desse irmão.
O fato é que isso estava
interferindo em sua qualidade de atenção na escola, a ponto de retraimento e
negação para participar das atividades em grupo. Olhar desta forma para os
problemas de atenção não exclui a possibilidade de uma dificuldade neuroquímica
que está presente em tantas crianças, jovens e adultos. É antes, um convite a
considerar que existem várias possibilidades diante de um problema.
A abertura para uma visão
sistêmica da vida, nos auxilia a ter mais leveza, alegria e consciência quando
entendemos nosso lugar no mundo e a necessidade de uma postura, ou seja, uma
forma de estar e viver que considera o todo e meu papel para o desenvolvimento
harmônico do sistema. A nossa atenção pode estar voltada para questões que
envolvem nosso primeiro círculo social que é a família.
Assim, considerar a história
dos estudantes e ter uma postura que releva as questões de ordem sistêmica no
processo de aprendizagem pode contribuir sobremaneira para ampliarmos o nosso
olhar para as relações das pessoas na vida e nos seus processos de aprender e
se desenvolver na vida. Este é, sem dúvidas, um caminho humanizado e integral
para lidar com o desafio da desatenção na sala de aula.
*Luciane Pires é psicóloga clínica há 30 anos e tem como segunda formação a pedagogia. Autora do livro “Tenho Um Lugar Para Você”, promove possibilidades de ampliação de consciência e maior qualidade de vida em saúde mental a partir do que escreve.
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